sexta-feira, 31 de agosto de 2007



A LIBERDADE EM DEDÉ FERLAUTO*

Nei Duclós

* Originalmente publicado no blog
Outubro.blogspot.com

“Peço demissão do cargo de habitante do planeta”
(trecho de uma carta de Dedé endereçada a mim, datada
de 27/abril/1977)

Foi-se, nesta madrugada de 24 de agosto de 2007, o
poeta Dedé Ferlauto, partindo o coração de todos os
seus amigos e de uma família brilhante, de um músico
(Leo), um arquiteto (Cláudio), um engenheiro (Felipe),
mais a família que ajudou também a inventar, mulher,
filhos, netos, enfim, todas as pessoas que conviveram
com ele nesta curta/longa vida. Palavras não servem de
consolo, ainda mais partindo de mim, que há muito
tempo não conversava com ele. Soube recentemente que
ele estava morando no sul da ilha. Mas, como disse em
meu livro Outubro, que Dedé gostava demais: a
linguagem é a única arma que eu disponho.

Fui amigo de Dedé, mais intensamente por um tempo, do
final dos 60 até o final dos anos 70, quando então nos
correspondíamos por carta, eu em São Paulo iniciando
uma vida dura na megalópole, ele, mais lúcido,
refugiado em Sapiranga, interior do Rio Grande do Sul.
De lá me enviou confidências e poemas. Um deles, Furto
Qualificado, diz assim: “Por todas as frestas/ de
todas as paredes/ desta casa/ muitos olhos espreitam/
consultam/ memorizam/ e sons são sugados,/
magnetizados/ por todos os poros/ da casa/ do corpo/
das palavras(...)”

Tomei conhecimento de Dedé Ferlauto quando vi, colados
em azulejos, selos/poemas assinados por Zé Liberdade.
Era ele. “Me sinto por fora desta coisas que andam
acontecendo entre as pessoas que escrevem, revistas,
editoras, livros e outros.”, me escreveu ele anos mais
tarde. “Os caras andam muito chatos com essa mania de
querer fazer História. Acho um saco. Caí fora. Me
sinto sem norte, sozinho e não me assusto”. Via-se
como um anarquista. Vejo-o como um outsider sincero,
que viveu integralmente sua literatura, a que fisga
pela vocação e carrega a criatura escolhida por toda a
vida.

Suas palavras, como de todo poeta, são proféticas.
Veja o que disse no final dos anos 70: “Ando
contrariado com minha vida profissional” (e quem não
anda, Dedé? acrescento agora eu). “O que é um
jornalista hoje em dia, salvo exceções? Não estou mais
aí pra andar informado da merda mundial.” Ele estava
em outra: “Enquanto isso vou procurando caminhar com
minhas próprias pernas e levando minhas palavras por
aí afora, como quem não quer nada. Quer nada? Como
quem? Como? Quem? Quer? Nada?”

Numa carta coletiva/manifesto, deixou claro sua ação
poética em trechos selecionados de grande lucidez: “É
compreendendo a angústia que se resolvem problemas, e
concomitantemente é compreendendo-a que ela se dissipa
numa grande e violenta atividade de criação. É olhar
para dentro, para mim, é tentar compreender as
linguagens que nos cercam (como as abelhas, como as
plantas, como a biodinâmica, como o ciclo de vida nas
plantas, hortaliças etc.) e pelas linguagens que
utilizamos para a nossa criação (abaixo a arquitetura,
viva a agricultura!). É dentro da angústia, da
indecisão, que é possível localizar o desconhecido, o
novo. “

Dedé não quis compactuar com políticas, grupos,
panelas. Preferiu a solidão poética, a verdadeira, a
que jamais consola, pelo sofrimento que provoca, mas a
única que garante a liberdade. Ele escolheu a
liberdade numa época em que tudo foi datado,
classificado, organizado, definido. Por isso Dedé
Ferlauto é uma prova viva de que podemos ser criaturas
livres, mesmo que isso nos custe uma vida difícil, mas
jamais apartada da grandeza.

Foi-se Dedé Ferlauto. Seus agitos continuam. Longa
vida à sua obra
............................................................................................
TRÊS POEMAS DE DEDÉ FERLAUTO

ARMA

QUANDO ACORDARES
E NÃO ESTIVERMOS AO TEU REDOR
LEMBRA ISSO
O AMOR É O ÚNICO RECURSO
A ÚNICA ARMA
MESMO QUANDO CHORARES
ESQUECIDA
E ABANDONADA NAS ESQUINAS
O AMOR É A ÚNICA ARMA
QUE PODERÁS PORTAR
E USAR SEMPRE





SILÊNCIO

DOR SENTIA QUANDO LEMBRAVA
QUE TUDO O QUE QUERIA DIZER
ANDAVA AFOGADO
NAS SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS




QUANTO MAIS
BATO ASAS
MAIS CRESCEM
MINHAS RAÍZES

Varal Virtual - Renato Battistel



um pouco ateu, não sinto o ar

aviões descalços,

e rendas brilhantes

trabalham no navio


esperem aí,

também fui criança!


a alegria não chega

vou não sei pr’a onde

e volto monárquico


não posso com as iras,


me cansa esta febre!




Renato Battistel

-Grupo CEro-


Varal Virtual - Barbara Corsetti




e assim contam as borboletas

entre uma folha e outra

onde os pés tropeçam

cantarolando notas rotas


a morte

esconde a carreta que leva o menino mau


no casaco azul

um sonho pula 3x

pintando de nuvem as estrelas

onde qualquer vento

cai entre os dedos dos anjos

e o gafanhoto

devora cérebro de cobras engravatadas


Barbara Corsetti

-Grupo CEro-

Varal Virtual - Leonora Waihrich




ouço o meu silêncio

ecoando murmúrios


por entre os dentes

escapam paredes


Leonora Waihrich

-Grupo Cero-

Varal Virtual - Marcela Villavella




Assim é a rosa...



Em uma manhã de verão

não havia que temer...

Mas um golpe é um golpe

mesmo que venha de tua mão.

Assim é a rosa.


Do fio de um grito

nasceu a solidão,

essa viajante a quem amei,

atravessa com suas garras

meu coração,

e murcho.


Se faz escura a vida em um instante,

e busco um mole

para afogar minha loucura

em teu mar.


Nasce a morte uma e outra vez

e não se deixa morrer.


Hoje choraria ao mundo

um pranto enamorado,

lhe diria que sem teu amor

se quebram as palavras.


Tenho os lábios apertados de dor

e não me acostumo.

Um golpe é um golpe,

mesmo que venha de tua mão.



Marcela Villavella

-Grupo Cero-

Varal Virtual - Lúcia Bins Ely





Entreabertas loucuras e solidões

aterrisam neste breu

mescla-se violência e candura

nas crianças que ninguém vê que

vêm e morrem sorrindo.

Os peixes absorvem rápido o estremecimento

as mulheres dão folhas

e um ramo abrupto de relâmpagos

colhe com sutileza todo o

derramado...

E por baixo da terra vive

um fomento de luz

que morde

E colhe o supremo e o supérfluo

e as palavras que escorreram

do relâmpago, da mulher e

da morte das crianças...


Lúcia Bins Ely

Grupo Cero

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Varal Virtual - Mára Bellini



Concedi incêndios

a tua mirada

e todavia

me esqueces

cairei

vaga-lume de passos

íntima faca na garganta

cravada no espelho

não há pele que contenha,

brancura jasmim,

tua queda obscura


Mára Bellini

GRUPO CERO

domingo, 26 de agosto de 2007

Varal Virtual - Maira Knop




"...nas cordas vocais

d o

t e u

varal

quem dera fosse eu o vento..."


Maira Knop

Varal Virtual - Bruno Brum Paiva

S E G M E N T O


Caricatura atômica desfilando faceira
nos entrelaços minúsculos do homem moderno
afoita e indecisa, como solta na poeira,
a não reflexão dos atos e o não pensar, eterno.


Embaralhado e maduro anfitrião
a escalar áridas e montanhosas calçadas,
já não tens mais revés ou patrão.
A vida devolveu-lhe ao tremor das alçadas.


O objeto opõem-se vagarosamente ao sujeito
menos encantador e travesso
suas virtudes mais parecem salientar o defeito,
inusitada flor da semente morta no gesso.


A potente intuição me coloca
frente ao abismo futuro.
A teimosia tem sua voz e não se desloca:
todos meus sins quebrarão o muro.


Bruno Brum Paiva

VARAL VIRTAUL - POSTAIS DE SANDRA CAMURÇA (PE)







Varal Virtual - Américo Conte

ABACATEIRO DE PENSÃO

Sobre velhas telhas encardidas

atapetadas por musgos e liquens,

estendem-se galhos e folhas carcomidas

de um abacateiro de pensão.

Testemunho único de um rodízio de vidas

que se instalam em uma hospedaria do tempo,

de passagem a sonhos e metas preestabelecidas,

carregando na bagagem uma igual situação.

Fuxicos e fofocas não se contam mais em pauta

ante tantos outros fatos que já presenciou.

Bebedeiras, brigas, roubos e mesmo um simples tocar flauta

são coisas que auxiliam a um acumulo de tensão.

Desconfianças e despejos são jogos que prevalecem

numa casa de regras estabelecidas,

onde, às escondidas, sexo também acontece,

permitido que é em palavras, mas proibido em ação.

Porém não são só desavenças e entradas pelo cano,

alegrias esfuziantes por vezes os enaltecem,

principalmente no Natal e festas de fim de ano

confraternizam-se em sentimentos de grande comoção.

E o abacateiro quase esquecido e maltratado

possui seus momentos de atenção, pelos inquilinos,

que afirmam deveria ser ele cortado,

cedendo lugar a outra árvore, de melhor aproveitação.

Todavia ele exerce seus serviços no quintal.

Além de poste onde o cachorro fica amarrado

é também o suporte de um dos lados do varal

sendo, aos donos do local, imprescindível sua função.

Todos os anos, aos moradores, acalenta esperanças

quando frutinhas em seus galhos, brotam em abundância,

entretanto sucumbem, feito raquíticas crianças,

sobrando apenas algumas de duvidosa degustação.

Época difícil, em que só escuta injúrias,

tendo como único amigo o cachorro

que enroscado aos seus pés lhe confidencia lamúrias,

compartilhando a amargura de nunca poder ter razão.

Adubos e bons tratos, nunca a ele se destinam,

só o lembram como escada, para o consertar de telhas,

e o amigo confidente sempre em sua base urina...

Perdoa-o, pois sabe que na vida não existe perfeição.

Ciente de que um dia irá chegar o seu fim,

deixou de se aborrecer e se inconformar com o destino,

pois aprendeu que as pessoas continuam sempre assim,

uns tempo uns, outros, outros, conservando suas humanas condições.


Américo Conte

Varal Virtual - Miguel Oscar Menassa

A POESIA

NÃO SE ENAMORA NUNCA


a meus filhos, discípulos e afins


Não me façais correr vossas carreiras

nem me façais voar em vossos vôos

nem me façais fazer vossos trabalhos

nem, tampouco, amar vossos amores.

Eu, filhos meus, com paixão,

os transportei voando,

sempre, a vosso lado,

desde os confins quietos da família

até as portas em liberdade do mundo.

Agora começa vossa viagem

e, se os deixo partir sem acompanhá-los,

é porque eu tenho minha própria viagem.

Devo pôr, no caminho que construí

com minha própria vida e escrevendo,

meu nome, meu sobrenome, minhas marcas,

meus sinais pessoais, que são a poesia.

No caminho encontrareis o ouro e a pobreza,

os precipícios fundos e as grandes planícies.

Haverá em vossos caminhos, não duvideis,

emboscadas, traições, vis injustiças,

por isso

é conveniente viajar acompanhado.

E, quando consigais algo de pão, algo de dinheiro,

tentai reparti-lo o melhor possível entre todos.

Alguém que comeu

e tem dinheiro para o pão de amanhã,

em algo se sentirá feliz e seu trabalho

não será dirigido pela fome ou pelo ódio

senão pelo amor ou pela liberdade.



E este é o verso onde tentarei

deixar-lhes o ensinamento mais necessário:

Numa sociedade justa, o trabalho é um dom:

uma alegria, um bem, humano propriamente,

com o qual se pode modificar o natural,

a vida, os enxames de sonhos, o sol.

Com o trabalho,

o homem pode voar sem asas,

navegar pelos mares sem conhecer o mar.

Da árvore,

estupefato de surpresa ante o homem

pode o trabalho arrancar uma cadeira

e, da pedra, os sinais

que forjam o porvir do homem,

sua casa,

seus monumentos,

sua própria lápide.



MIGUEL OSCAR MENASSA


Grupo Cero


Varal Virtual - Eliane Marques

Foto de Mara Bellini




dos teus atos

não houve testemunha

porém te viu a noite

e não podes evitar

que ela fale

por isso

te espera a casa dos mortos

onde se cultivam rosas

e trigo para tua colheita

choveu sangue

e não há mais

que grãos manchados

lá estará tua mãe

sem rezadeiras-pagas a lamentarem

e arrancarem o cabelo ao lado de seu corpo

todavia

tu não podes chorar

o negror de teus cílios

arruinaria a maquiagem de teu rosto

então

e manda uma mulher

que chore por ti


Eliane Marques

Grupo CEro

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

VARAL VIRTUAL - ARTUR GOMES


Varal Virtual - Elvio Vargas

Quando inventaram tudo
sobraram para mim
este viveiro de ilusões quietas
e uma bicicleta
que até hoje pedalo
soprado pelos ventos
do fim do mundo.



BRINQUEDOS DE JÓ

"Depois das contrações, apareci.
Duas palmadas fortes e uma sede ardente, me despertaram.
O seio anunciado, estava seco. Nunca chorei pelo leite não derramado.
Troquei as dores do Édipo, pelas feridas de Rômulo. Um destino duro, sempre me guiou.
Domino pouco a arte das palavras. Só isto basta, para ventar céu, infernos e mortalha.
Guardo a sete chaves, desde os meus primeiros dias: ferramentas, utensílios
e os mais estranhos brinquedos de Jó."



Elvio Vargas

Varal Virtual - Paulo Ribas

maresia



a anciã agarrada ao cajado

segue andando com ar astuto

a quase noventa pés por minuto

tal qual navio de médio calado

mas o velho bordão com jeito estranho

afetado por certo andar rijo e ufano

denuncia todas alegrias de antanho

não mais a consolam nem

os odores dos mares do sul

nem os amores nus

dormidos ao sol do oceano


Paulo Ribas

Fotos de SERGIO FONSECA (RJ)

GURI
CÉU


BARCOS

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Varal Virtual - Etienne Blanchard

"então fazes amor & pazes

então queres, não feres, não erres"

o pintor louco escrevia em muros

"o jovem príncipe quer imagens & viagens

& margens

mas as viagens mais densas & perigosas

se fazem dentro de si mesmo

já dizia Henry Miller

então ele dentro de seu cérebro & alma

andava a esmo

procurava o Sol

navegava a remo

dentro do oceano infinito de seu universo

pensava em versos

vagava lento

os passos do Minotauro, seu invento",

o pintor louco continuava

escrevia tudo o que lembrava

"o Minotauro perseguia no labirinto

o fio de Ariadne perdido

& Teseu...

& Perseu era um gato

calmo, taurino e pacato

Joana, sua namorada,

ele lambia

mas não podia consumar o ato"

então o pintor se lembrava de um distante regato

"Onde as águas cantavam canções infinitas

de amor, dor & cansaço

a História também de

uma jovem & um jovem

que se amavam com estardalhaço

neles não havia dor nem cansaço

somente corações-sol em chamas

& risadas de feliz palhaço

Conheceram-se em 11 de novembro",

O pintor dizia

"ainda me lembro,

Viveram 150 anos

juntos, no mínimo

o resto não fiquei sabendo

...

O nome dela Juliana

O nome dele Estevão

gostavam de astros e estrelas

Arte, Teatro e ovelhas

No cais, do navio

ela abana

juntos os 2 viajam

por países internos

de letras

Teatro, Cinema & borboletas

lagos, mares & Espelho"

Aí o pintor se perdia,

contar algo mais,

não mais sabia

Agora falava da Relatividade do Tempo

& do Verbo onde tudo principia

do Espaço Infinito,

dimensões escondidas

& de suas imensas feridas

& começava a cantar

uma canção estranha,

com a alma toda,

beleza tamanha,

que ouviu de um mudo&surdo,

cego, que tudo assobia.

E o pintor louco começou escrever nos muros do mundo:

ninguém sabia, era ele um artista, um louco ou um vagabundo?????

VARAL VIRTUAL - DANI MORREALE







fotopoema de Rozana Gastaldi Cominal


Varal Virtual - Viviane Juguero

Devoção

Viviane Juguero

Prostração preambular

Enceta o ato

Os joelhos – indolentes

Ignoram a superfície frígida

Entre júbilo e ardor

Curva-se

Agarra exultante

Como se expirasse

Como se não mais pudesse

Como chance ímpar sem par

Contato rústico místico

Rijo, o pau imponente

A tenra carne macula

Pressão progressiva

Ânsia do êxtase

Da erupção

Dos mistérios contidos

No cilindro sagrado

Veias pulsantes

Deslizam e paralisam

Ante o obstáculo transversal

Sôfrega, numa carícia

Roça os lábios bem na ponta

Mais abaixo

Mais abaixo

Estremece

Sobre a língua

Respousa a dádiva

Dissolvendo paulatinamente

Sem pressa

Néctar branco e saliva simbiônticos

Aveludam as mucosas

Penetrando a intimidade da garganta

Comovida com a eucaristia

Madre Laurinda

Aparta o crucifixo

Findando seu rito diário de fé

Como se expirasse

Como se não mais pudesse

Como chance ímpar sem par

Varal Virtual - Maira Knop

BEIRAL

Aquela gota dependurada
na orla do telhado
que cria cintura e cai
como cortina de vidro que fosse
é a única
capaz
de
e

t
i
c
a
r

a á g u a

Varal Virtual - Luis Fernando Prôa

Cárcere

cada dia
que passa
a sentença:

minha alma
condenada
ao poema


Luiz Fernando Prôa
Arte feita por Tavane Reichert Machado, exclusivamente para o evento. Viva nós!

VARAL VIRTUAL - MARCUS MINUZZI

O amor e o rei amado enquanto mito


Dora domestica o dono do poema-imperialista.

Todo sonho porta sonos poderosos e arranjos alvo de procuras.
Dardos doutos de mistério denunciam a poesia ornadora, bendita,
Pronunciada ao tom de símbolos sonhantes.
O recurso geral à cobra geradora da glosa do povo.
Vontade do mundo: o devir utópico,
A verdade enquanto mentira,
E o amor e o rei amado enquanto mito.
O roçar-se da dinastia de padres bentos e paus batistas
Com a serena bravura do gozo
Constrói a nação casta e pura.
O dom da deusa é dormir com compridíssimos cabelos
E também música.
Os pêlos de Dora dominam os ventos.
A verdade é que Deus será olvidado pelos séculos.
O domínio do esquecimento arderá em nosso espírito.
O preto gosta de alento e carnaval.
O gesto olímpico cegará o laço onírico.
A hora definitiva amanhecerá ornada por reses restabelecidas do abate.


O lado maloqueiro de Porto Alegre

(Para Zé da Terreira)

Os homens olham o coito.
Há negros loucos, neguinhos vadios,
Queridos e netos do estrume benfazejo.
Ah, noite divina, raiz do mato, reggea outro,
Negra luz sobre o povo enigmático
Das encruzilhadas de Porto Alegre
E dos nus arrancados astrologicamente.
Há sacis bebês ativos
Nos galos latinos
Desta ardente povoação que eu pinto.
O povo gosta da grossa, macia e escura coxa.
O crescente perdão do pai
Enquanto a mata rejuvenesce.
O ar divino e redentor.
O lado maloqueiro de Porto Alegre
É moleque e dono de uma paixão silvícola:
A natalidade homenageia o lúbrico amor
De uma gente arteira:
Os neguinhos que fazem "bolo" na esquina.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Intervenção em foto de Antonio Felix

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

VARAL VIRTUAL - SANDRA CAMURÇA - Recife PE

nos dentes

eu sempre soube

sempre soube
mesmo quando tudo parecia acabado
eu sempre soube
sempre soube
mesmo quando o mundo dizia que nada adiantava
eu sempre soube
sempre soube
mesmo sem ver a luz no fim do túnel
eu sempre soube
sempre soube
mesmo me sentindo derrotada
eu sempre soube
sempre soube
mesmo quando ninguém acreditava em mim
eu sempre soube
sempre soube
mesmo quando me sentia só
eu sempre soube
sempre soube
mesmo com o tesão ausente
eu sempre soube
sempre soube
mesmo desesperadamente descrente
eu sempre soube
sempre soube mesmo sem paciência de esperar
eu sempre soube
sempre soube
Que a vida se agarra nos dentes.

às vezes

não é que eu não goste de tranqüilidade

é que às vezes a acomodação se traveste de paz

não é que eu não goste de limpeza

é que às vezes a assepsia é muito fria

não é que eu não goste da virtude

é que às vezes só o vício me salva

não é que eu não goste de harmonias

é que às vezes meu toca-disco pede ruído

não é que eu não goste de alegria

é que às vezes a melancolia vem à revelia

não é que eu não goste de ordem

é que às vezes na bagunça a vida é mais viva

não é que eu não goste de luz

é que às vezes à sombra eu vejo melhor

não é que eu não goste de você

é que às vezes eu preciso estar só



domingo, 12 de agosto de 2007




VARAL VIRTUAL - MARÔ BARBIERI

mesmo a coisa finda
carrega em si semente escondida
larga
iluminada
generosa

mesmo a alma frouxa
carrega em si fiapos de luz
caminhos de alimento e graça
destroços e
construções

o que está por vir
mesmo pleno de vazios
é pulso de vida
estrada e horizonte

viagem
Intervenção em foto de Elsa Mota Gomes (máscara)

A poesia é necessária? É mais do que necessária. Nesses dias, é mais urgente do que impossível fazer poesia. Digam, respondam. Sem desandar o rosto, sem esconder o dia. O que seria o ser humano sem poesia? Um algemado no tempo, uma máquina fria? Por isso a explosão, devolvendo à cidade o seu nome, três dias inteiros de Porto Poesia. Pra que ninguém diga, estavam todos aqui, e eu não sabia.

- Sidnei Schneider

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

VARAL VIRTUAL - LUIZ CORONEL

O Pai

Nossa mão pequena
em sua mão,
semente no fruto
ou fruta em seu cacho.

Nossos brinquedos
cabiam em seus sapatos.

O pai não teme a treva
nem os barulhos do pátio.

O pai é o pai.
Pão e o vinho
na cabeceira da mesa.

Um dia nos descobrimos
surfando as ondas,
sobrevoando as montanhas,
cruzando as estradas.

Mas todas as setas
apontam o regresso
à casa paterna.

Quando o pai sorri,
o sol se impõe
sobre a neblina.

Ao abraçá-lo,
sentimos o peso do tempo
sobre suas costas.

O pai tem gestos brandos
e olhar incisivo.

Mas onde quer que estejamos,
o seu olhar nos guia.

E a sua mão
nos abençoa.


quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Intervenção em foto de Evandro Monteiro

sábado, 4 de agosto de 2007

VARAL POESIA - ...

No meio do blog tinha uma postagem
Tinha um poema no meio do blog
Mas o poeta não respondeu nem sim nem não
Tinha um poeta no meio do blog
(agora não tem mais)

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Reunião de organização do PORTOPOESIA, na livraria Palavraria.

Oficina POESIA DE CORDEL - NAS ORIGENS DA CULTURA POPULAR


(com Suriel Moisés Ribeiro, dias 27, 28 e 29, das 10 às 12 horas)

Nossa cultura brejeira,
Matuto berço das musas,
Em meio a mentes confusas
Hasteia sua bandeira.
Assim como a caatingueira
Agüenta a seca infernal,
No deserto cultural
Quero ver forte e viçosa
A raiz maravilhosa
Da Cultura nacional.


Hoje em dia quando se ouve um matuto improvisando versos ou quando se lê um folheto de cordel, coisas muito raras aqui no sul, mas muito comuns em outras regiões do país, geralmente só se enxerga naquilo um amontoado de versos rimados de difícil entendimento, ditos em um sotaque engraçado e embalados por uma cansativa repetição de acordes de viola. Isso é muito natural, pois os olhos que estão acostumados a pouca luminosidade, se ofuscam quando são expostos a uma luz mais intensa, e o próprio brilho desta os impede de contemplá-la. Quando acostumamos nossos olhos ante o lume da poesia cabocla, começamos a ver a genialidade presente nesta arte. Genialidade esta que nem os mais condecorados doutores em literatura conseguem alcançar, mas que muitos roceiros analfabetos dominam sem nunca terem recebido instrução acadêmica. Esses humildes trabalhadores de roça são herdeiros deste tesouro milenar que é a prática da literatura oral tradicional. Essa literatura tem sua origem em tempos remotos onde povos primitivos já praticavam o improviso de versos para evocar as forças da natureza e remontar feitos de seus heróis. Estas práticas originaram a cultura literária na idade média, que atravessou os tempos até chegar em terras brasileiras onde continua até hoje se desenvolvendo. O Brasil é o único lugar onde a poesia popular de origem medieval continua sendo produzida. Esta poesia chegou aqui com não mais de três tipos de estruturas e se desdobrou em mais 46 gêneros de metrificação e disposição de versos. É com objetivo de divulgar este límpido manancial da cultura que estarei ministrando esta oficina que tratará da origem e evolução da literatura oral tradicional.

Suriel Moisés Ribeiro
suriel.ribeiro@gmail.com

VARAL POESIA - CELIA MARIA MACIEL

Mãe-doceira


A mãe andava de avental pela cozinha
os guris brincavam no quintal com carrinhos de latas velhas de azeite.
A mãe era doce quando fazia glacê branco bolo com recheio e quando fazia de conta que xingava os filhos.

Eu ia para a janela cansada de lamber raspas de leite condensado. Jamais sonhei a tristeza feito calda grossa enquanto ela via o ponto do açúcar.

Mas nas sombras a tristeza escorria escaldante e densa pelo meio dos dias que viriam anos depois e que nos fez – os irmãos – perdidos uns dos outros e da mãe-doceira para sempre.



- Celia Maria Maciel
Menção Honrosa no Prêmio Lila Ripoll de Poesia/2007

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Poetas na Arca


Poetas interessados em mandar poemas sobre o que salvariam na Arca,
em falar poemas, navegar com a imaginação e participar do grupo,
visitar o espaço do projeto Essa Poa é Boa e colorir as fontes de água de Porto Alegre,
podem entrar em contato com Mario Pirata, pelo e-mail
A ARCA DO ARROIO DILÚVIO vem somar-se ao PORTOPOESIA
no movimento de tornar a nossa cidade
uma comunidade mais feliz, mais bonita e menos careta.


ARCA DO ARROIO DILÚVIO

GRUPO DA ARCA ESTÁ CRIANDO UMA INSTALAÇÃO ESCULTÓRICA PARA A EXPOSIÇÃO "ESSA POA É BOA", QUE INAUGURA EM 30/8/2007.
O CONCEITO DESTE TRABALHO FOI CONCEBIDO DEPOIS DE LONGAS CONVERSAS SOBRE O AQUECIMENTO GLOBAL E A CONSEQÜENTE DESTRUIÇÃO DE VÁRIOS ECO-SISTEMAS E SOBRE AS CHANCES DE SOBREVIVÊNCIA DOS SERES VIVOS NESTAS CONDIÇÕES.

QUAL SERÁ O FUTURO DO PLANETA VISTO QUE TAMBÉM VERIFICAMOS A FALÊNCIA DA ÉTICA NAS RELAÇÕES, A IMPOSIÇÃO DA FORÇA BRUTA COMO ÚNICA FORMA DE ACABAR COM OS CONFLITOS RELIGIOSOS E ECONÔMICOS NESTE MUNDO PÓS-MODERNO CAPITALÍSTICO.

Os artistas desta viagem são:
ANA AITA, ANGELA PETTINI, BETH MELLO,BIRA FERNANDES, GUSTAVO NAKLE, ISABELLA lACERDA,IRENE SANTOS, JORGE KOENEN, MAIA MENA BARRETO, MANOLO DOYLE, WILL CAVA, XAPLIN.

E os poetas: CARLOS URBIM, MARIO PIRATA E ZÉ AUGUSTO MARQUES.

http://arcadoarroiodiluvio.blogspot.com/

http://www.essapoaeboa.com.br/